Por Veronique Malka
Advogados especializados em imigração nos Estados Unidos e no Canadá têm manifestado preocupação com relação ao futuro do Nafta, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, que tem sido um veículo útil para facilitar o movimento de trabalhadores estrangeiros entre as fronteiras da região desde 1994, quando entrou em vigor.
Ao longo da sua campanha eleitoral, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que poderia retirar o país do Nafta, acordo firmado pelo México, EUA e Canadá e que permite uma maior abertura comercial entre os três países. Segundo Trump, os EUA deveriam sair do acordo porque os pontos negativos superam os positivos do ponto de vista americano. Para levar esse plano adiante, porém, há inúmeros obstáculos a serem superados.
O acordo é de fato ruim para os EUA?
O principal argumento de Trump para a saída do Nafta se baseia na premissa de que o acordo prejudica a economia americana e que o México é o país que mais se beneficia do tratado. Quando olhamos as estatísticas, contudo, os dados revelam uma história bem diferente. Na verdade, no ano passado, cerca de 5 milhões de postos de trabalho nos EUA dependiam do comércio com o México. Além disso, o acordo comercial permitiu um aumento do capital americano no México, que atingiu US$ 107,8 bilhões em 2014. Isso foi consequência, principalmente, da disponibilidade bem maior de um custo mais eficaz de mão de obra, o que encorajou as empresas a instalar processos de manufatura no país vizinho.
Esses efeitos comerciais muito positivos são resultado de técnicas profundamente analisadas que deram origem à criação e ratificação do Nafta. O próprio nome do acordo, combinado com o histórico comercial estabelecido entre os países, foi criado para ampliar os níveis de comércio trilateral. Não é surpresa, portanto, que desde a promulgação do Nafta o México e o Canadá tenham se tornado os principais parceiros comerciais dos EUA em escala global.
Após a promulgação do Nafta, o comércio entre o México e os EUA aumentou substancialmente.
● 1993: US$ 50 bilhões
● 2000: US$ 100 bilhões
● 2015: US$ 300 bilhões
As empresas americanas se beneficiaram enormemente do Nafta. Veja a General Motors e a Ford, duas das inúmeras companhias que têm tirado proveito das vantagens do acordo e do mercado de mão de obra acessível que ele criou. Há quem diga que alguns veículos fabricados e vendidos nos EUA possuem autopeças que cruzaram a fronteira com o México cerca de 30 vezes até o automóvel estar pronto para ser vendido.
Embora a maioria das discussões sobre a saída dos EUA do Nafta ou mudanças no acordo tenha se concentrado no comércio com o México, o Canadá é que de fato é o principal parceiro comercial. Os principais produtos que os EUA importam do Canadá são salgadinhos, carne vermelha, óleo vegetal, alimentos processados, veículos, combustíveis minerais, gás natural, maquinário e plástico. Em 1994, as importações que os EUA fizeram do Canadá superaram US$ 47 bilhões. Segundo o Instituto de Estatísticas dos EUA, só no primeiro trimestre deste ano, as importações americanas do Canadá somaram US$ 42 bilhões.
Trump pode retirar os EUA do Nafta?
Assim que foi eleito, esperava-se que o presidente Donald Trump fosse retirar os EUA do Nafta ou, pelo menos, que por meio de um decreto eliminasse as referências ao México no tratado. Nos primeiros dias do seu mandato, Trump retirou os EUA da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), um acordo comercial que havia sido assinado pelo presidente Barack Obama, o que fez com que muitos esperassem que o novo presidente americano adotasse alguma medida parecida com relação ao Nafta.
Mas os EUA podem unilateralmente se retirar de um acordo em vigor por meio de uma ordem executiva de Trump?
É importante reconhecer que acordos de livre comércio são acordos internacionais que precisam ser sancionados pelo Congresso. Em outras palavras, é preciso que haja cooperação entre os poderes Executivo e Legislativo do governo, que possuem poderes interligados. O poder Legislativo, que é o Congresso, inclui o poder de regular o comércio. O poder Executivo, que é o presidente, inclui o poder de regular as relações internacionais. Cria-se, assim, um sistema de equilíbrio estabelecido especificamente para garantir que o presidente não possa simplesmente por meio de uma assinatura afetar as relações estrangeiras do país de forma unilateral.
Uma diferença importante entre a TPP e o Nafta é que a TPP ainda não tinha sido ratificada pelos EUA quando Trump decidiu retirar o país do acordo. Ou seja, ela ainda não havia sido incorporada à legislação interna pelo Congresso, o que tornou o processo muito mais simples. Já o Nafta está em vigor desde 1994, foi ratificado pelo Congresso americano e foi estabelecido por uma lei interna, o que indica um processo bem diferente para que os EUA possam modificar o acordo do Nafta ou mesmo se retirar dele.
Outra ideia que Trump está considerando é estabelecer certos impostos ou tarifas sobre alguns produtos específicos. Devemos lembrar, porém, que a Organização Mundial do Comércio (OMC) é a entidade que regula esse tipo de tarifa. Então, para que certas regulações sejam aprovadas, a OMC precisa estar de acordo. Consequentemente, se Trump impuser tarifas, o México poderia também fazer o mesmo com relação aos produtos americanos.
Acreditamos, talvez exatamente como o presidente Trump, que o dinheiro fala mais alto. O Nafta já criou postos de trabalho para profissionais americanos, apesar de Trump veementemente afirmar que o acordo eliminou empregos. O Nafta gerou lucros para os EUA e ampliou o comércio internacional do país tanto com o Canadá quanto com o México. Talvez isso explique porque Trump inicialmente falou durante a campanha eleitoral em retirar os EUA do Nafta, mas posteriormente suavizou o discurso para uma possível “renegociação” do acordo.
O aspecto migratório do Nafta
Acreditamos que o foco da renegociação do Nafta se dará na área do comércio, não na de imigração do tratado, que rege a questão da mobilidade dos trabalhadores canadenses, americanos e mexicanos. Essa parte, que contém um importante Apêndice de Designações Profissionais, precisa urgentemente de um ajuste para refletir as tendências atuais do mercado de trabalho.
Desde sua elaboração e implementação, em 1994, raramente as profissões citadas no Nafta foram alteradas, sendo que apenas poucas categorias foram acrescentadas ao longo dos anos, como a de consultores legais estrangeiros. Mas os tempos mudaram e designações como “Analista de Sistemas de Computadores” ou “Consultor de Gestão” são termos arcaicos que hoje abrangem várias ocupações. Essas expansões da indústria criaram lacunas que forçam os agentes de imigração que avaliam os pedidos de visto de trabalho no âmbito do Nafta a exercer muito poder decisório para enquadrar um pedido de visto dentro das categoriais existentes. Acreditamos que o apêndice já devia ter sido revisto há muito tempo, definindo melhor as profissões e deixando intactas as disposições de movimento comercial e de visitantes a negócios.
Alguns advogados especialistas sobre o Nafta, tanto nos EUA como no Canadá, têm sugerido sabiamente para que um grupo de trabalho seja estabelecido por cada um dos países e se reúna para rever o tratado ao menos uma vez por ano. Com um sistema de revisão estabelecido e em andamento, o Nafta poderia continuar a existir, enquanto um mecanismo de modificação e atualização poderia estar em vigor para lidar com questões preocupantes conforme elas forem surgindo. Incluindo os receios manifestados, a qualquer momento, pelo presidente Trump.
Veronique Malka(veronique_malka@visaserve.com) participou de uma painel de especialistas sobre temas transfronteiriços em 8 de junho de 2017 na Associação de Advogados de Ontário, em Toronto, no seminário “Construindo Pontes ou Construindo Muros? Cruzando a Fronteira Canadá-EUA na Era de Trudeau e Trump”.
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